segunda-feira, 4 de novembro de 2013

CRÓNICAS do Fim-do-Mundo 4 - Milenar Sabedoria Chinesa

O casal de filipinos em casa de quem estivemos, a Michele e o Nep Bondoc-framed
Já estou melhor da arreliadora constipação que me afectou a disposição e a energia que queremos ter quando a fome de conhecer uma terra nova se quer sobrepor às naturais limitações. Ah pois... já sou um sexagenário!!!

O pai da Bianca havia-me dado há tempos atrás, uns tubos de vitamina C, dois dos quais eu decidi trazer para estas paragens não fosse o diabo tecê-las... et voilà, a coisa resultou em pleno! Bem Hajas amigo Álvaro. Tenho saudades daqueles nossos almoços de Domingo seguidos de animada visita ao teu grupo de confrades, no cafezinho da Amadora! Recebe um saudoso e apertado abraço!

Lembrei-me das supostamente “infalíveis” receitas da milenar medicina chinesa, a propósito de como funcionam os serviços médicos na China. É uma daquelas fórmulas que penso terá desvantagens, mas seguramente muitos argumentos a favor, sobretudo num país como Portugal...

Então é assim: Os cidadãos todos os meses pagam ao seu médico de família um pequeno montante, uma insignificância, como recompensa pelos conselhos, pelos cuidados básicos, pelas dicas e pequenas informações que os clínicos sejam chamados a dar. Porém, esses pagamentos ficam suspensos sempre que o cidadão adoece, só sendo retomados quando o cidadão está de novo curado e em perfeitas condições de saúde. Serve o sistema para enaltecer a medicina preventiva e para recompensar o médico da sua primordial função – manter sãos os cidadãos da sua comunidade.

Achei perfeita a solução chinesa e imaginei de imediato a aplicação da mesma medida aos médicos em Portugal! Hem... que tal? Ora digam-me lá, se não seria muito bem visto! Provavelmente melhor para todos – os médicos, até poderiam auferir ainda mais dinheiro, ser menos mercantilistas e manter os seus elevados níveis de ambição e abastança e, por sua vez, os pacientes não contestariam o que pagassem porque se mantinham sãos. Os doentes, deixavam de pagar, não frustrando as suas expectativas, até porque normalmente se está doente numa fase da vida em que as capacidades de ganhar dinheiro e multiplicar os recursos se reduziram. De facto, a medicina deveria servir primordialmente para nos manter sudáveis e não para nos curar de doenças.

 Abençoada Sabedoria Milenar Chinesa!!!

SHALOM Ellen

Entretanto, provando gulosamente uma sobremesa oriental à base de caramelo, confeccionada pela matriarca da família de filipinos cá da casa, a Júlia Bondoc, caíu-me uma corôa de um dente, já duas vezes reparado com a infinita paciência de um dentista brasileiro da Malveira – o Dr. Alexandre, do Consultório Picon & Mendes – aliás o mesmo a que recorre o meu amigo e inexcedível companheiro José Pinheiro, de quem tenho também muitas saudades! (e o tradicional gesto cristão do “em pé é bom, deitado ainda é melhor!”).

Bom, face ao “infortúnio” e perante a infeliz e inestética expectativa de andar desdentado pela terra dos cangurus, decidi pedir ajuda à dona da casa – a simpática Michelle, Assistente de dentista num consultório de Sydney – o Sailors Bay Dentistry – para me dar indicações e salvar a honra deste português saloio da Malveira em visita a terras do sul (que é exactamente o que significa etimologicamente a designação Austrália), ao que ela de imediato se solidarizou aconselhando-me a consultar a dentista para quem ela trabalha – uma judia askenasi de 50 anos, de nome Ellen, que visitei dois dias depois.

Quando cheguei ao estabelecimento clínico senti dois arrepios pela espinha acima, primeiro pelos motivos dentários óbvios... e depois, porque o “chique” da clínica fez-me supor que iria ficar financeiramente depenado naquela manhã! Tratei logo de colocar a minha estrela de David por fora da camisola para que ela se apercebesse sem grandes diálogos, da minha ascendência judaica.

Entretanto, no “foyer” da luxuosa clínica privada, enquanto aguardava ser chamado, passei os olhos por um diário de Sydney e eis senão quando me apercebo que pelos altifalantes passavam temas musicais familiares – dois “chorinhos” brasileiros, que me trouxeram um pedacinho do calor humano latino e dessas terras de Santa Maria que um dia Vasco da Gama descobriu... (não, não é engano, não foi Pedro Álvares Cabral quem a descobriu em 1500, mas sim Vasco da Gama em 1498, na sua viagem a caminho da Índia... mas isso agora não vem a propósito), e SURPRESA – logo após, escuto a primeira voz portuguesa desde que cheguei à Austrália – pelos altifalantes vem a voz de Roberto Leal, num antigo album seu ainda com trejeitos brasileiros na voz! Fiquei tão contente que julgo que a senhora da Recepção deve ter achado que eu faria parte da banda sonora daquele “filme”! Cá por mim preferia ter ouvido ali os Azeitonas a cantar “Anda comigo ver os aviões”!  

Lá chegou a minha vez e a própria Drª Ellen veio cá fora buscar-me, trajando uma elegante bata verde. Olhou e viu logo a estrelinha a brilhar. Sorriu num largo sorriso iluminado pelo sentimento de quem compartilha a fé e cumprimentou-me com um familiar Shalom Luis!

Conversa de circunstância, quis saber da comunidade judaica de Portugal, referiu o que Inquisição fez em Lisboa e em Évora, (pasmem, mas os judeus são muito ciosos da sua dignidade all over...), criticou a ausência das Sinagogas por parte dos Sefarditas (hábito comum a todos os Sefarydin, desde a Península Ibérica ao próprio território de Israel), falou-me da terra do leite e do mel e eu, por outro lado, actualizei-a referindo a tolerância do moderno Portugal, falei-lhe dos exageros e fundamentalismos de alguns dos Askenasi e obviamente recordei-lhe alguns exemplares rabinos Sefarditas. Fez o tratamento esperado com esmero, carinho adicional e fez um expressivo desconto! (Não fiquei na miséria...).

Ontem enviei-lhe uma missiva a agradecer a atenção e a solicitar-lhe o empréstimo de uma Menorah (candelabro de sete velas, tradicional de Israel), para o meu casamento a 13 de Outubro. Com o acordo explícito da Bianca, decidimos convidá-la para o casório! 

T3AM

A Bianca deixara o Ford Fiesta estacionado num parque privativo destinado aos clientes da Clínica da Sailors Bay Dentistry e portanto não houve que pagar estacionamento, nem correr riscos de multas!

Decido apesar de tudo verificar se os sinais de trânsito estavam ou não, homologados pela municipalidade.

Todos, sem excepção! Penso em Mafra, onde, por uma questão nunca esclarecida, mas certamente muita teimosia do município, se insiste em não se tornar pública a homologação dos sinais de trânsito. Lembro-me da quantidade de cartas trocadas com o autista responsável pelo gabinete jurídico da Câmara Municipal de Mafra. Por mais argumentos jurídicos que eu lhe remeta, defende-se sempre com o mesmo grupo de raciocínios viciosos e redutores que utiliza para defender a estúpida e dispendiosa ideia da criação de uma evitável Polícia Municipal em Mafra. Quem a teve, deve dizer-se, não foi sequer o José Ministro dos Santos, mas um tonto, muito cheio de si, agora candidato à presidência da Câmara, um tal Hélder qualquer coisa... que nem me lembro do apelido do animal!

Já agora, e por curiosidade, devo acrescentar que os municípios de Lisboa, Amadora, Coimbra e  Porto – estes, pelo menos – têm os seus sinais correctamente implantados e conforme determina a lei – devidamente homologados.

No caminho de regresso a casa, visualizo pintadas no piso da estrada, umas indicações que não conheço e mencionam: T3AM.

Pergunto à Bianca (que devo aqui esclarecer, é uma excelente condutora) o que significa aquilo e ela diz-me com um sorriso que corresponde a uma determinação em uso no estado de New South Wales – a exigência de que em algumas vias com mais movimento de distribuição de tráfego rodoviário, de 2ª a 6ª feira, entre as 6h e as 10h e entre as 15h e as 18h, as viaturas ligeiras só possam circular com pelo menos três passageiros (condutor + dois), promovendo assim que haja também um certo espírito cooperativo entre colegas de trabalho, evitando-se algum excesso de trânsito e aquilo que se vê comummente nas entradas de Lisboa, em horas de ponta: montanhas de viaturas com uma só pessoa, numa exorbitância bacôca e ridícula, evitável por exemplo, através de medidas inteligentes como esta que refiro. Viva a T3AM!

APOIO ao Empreendedorismo e Jovens Empresários

Ainda com a cabeça cheia de receitas e reivindicações dos sindicalistas portugueses, sentenças dos parlamentares portugueses, discursos e promessas dos políticos portugueses, análises dos jornais e comentadores (politólogos, como agora pomposamente se diz), dou comigo, numa das mais movimentadas avenidas de Parramatta, a olhar incrédulo para um outdoor pendurado de cima a baixo, num prédio de magnífica visibilidade, com um cartaz anunciando uma acção governamental que visa promover o empreendedorismo dos jovens, atribuindo-lhes subsídios de apoio à criação de pequenas novas empresas, que não só lhes abram uma carreira profissional, como dêem emprego a outros jovens, também candidatos a um 1º emprego. O engraçado é que o cartaz não se limita a trazer a menção à medida governamental e respectivo logotipo – não... vai bem mais longe e anuncia que a metros dali, o fulano tal (com o nome e fotografia) é agora o responsável por um café aberto e equipado com o apoio dessa nova medida governamental, convidando a população a ir conhecê-lo ao seu café, a ser cliente e a apoiá-lo neste início de carreira. Quase me chegaram as lágrrimas aos olhos – eh pá, sim senhor, isto sim, isto é que é apoiar e incentivar, simultaneamente responsabilizar o próprio jovem empresário e também a população que, perante tal cartaz, não tem desculpa para argumentar que não sabia...

Ideia sensacional e que também poderia ser adoptada entre os “tugas”!!!

Hoje é 5ª feira, dia 6 de Setembro e por ser 5ª feira, é dia de sair e fazer compras, porque se estabeleceu que todas as casas comerciais ficam abertas até mais tarde, permitindo que a população que vive mais longe, ou que trabalha com horários de saída tardios, possa também usufruir das múltiplas vantagens de um Shopping que apresenta as opções mais variadas e específicas, para todas as bolsas. Os grandes supermercados estão abertos até à meia-noite e as lojas que normalmente encerram às 18 horas, estão hoje abertas até às 21h.

Assim se desenvolve o negócio, assim se incentiva o comércio, assim se enriquece a população, assim se criam padrões de saudável concorrência. É capitalismo, mas assume-se que sim, sem aquela doentia dicotomia permanente de se ter uma constituição e moral de esquerda e necessidades económicas e padrões de consumo de direita – onde é que já vi disto?

Muradali Jivan

Por Internet, este nosso mundo fica pequeno e as dimensões reduzem-se à distância de um simples click que nos transporta automaticamente, se preciso for, a milhares de quilómetros de distância.

O meu amigo e padrinho (de um casamento já dissolvido, é certo, mas ainda assim, meu padrinho) João Pedro Jadauji enviou-me por mail as coordenadas de um seu amigo e conterrâneo (Nampula, Moçambique), José Muradali Jivan, residente algures na Austrália.

Contactei-o de imediato e logo de seguida recebo um telefonema com aquela alegria que só os moçambicanos sabem colocar nos primeiros acordes de um telefonema. Alô? Estás porreiro? Daqui Muradali Jivan, amigo do João Pedro! E assim de repente estava em Moçambique, minha terra-natal, a milhares de quilómetros de distância, a n horas de fuso horário, mas ali consubstanciada aquela terra bendita pela comunicação estabelecida através de um telemóvel.

O Muradali Jivan, que não conheço pessoalmente, mas que num repente passou a ser um amigo disposto a ajudar-me, ali estava a dizer-me que vive do outro lado da Austrália, numa cidade nova, onde também há muitos portugueses, Perth, grande porto de mar e capital do estado de West Australia. Conversámos, trocámos ideias e fixei um aviso importante que o Muradali Jivan me deixou: Luis, eh pá, tem cuidado com os portugueses que vivem cá! Não é todos, mas alguns são uns sacanas e inventam situações sobre outros, na expectativa de os prejudicar e fazer com que eles arranjem complicações com as autoridades e percam os empregos para eles depois aparecerem como abutres e ficarem com esses empregos. OOOOPSSSS.... fiquei alerta! Obrigado Muradali Jivan, vou ter cuidado! Infelizmente as mentalidades pequenas permanecem pequenas mesmo quando os corpos se mudam para terras grandes e de futuro. A mesquinhez não se despega nas alfândegas!

Uma vez que estas singelas crónicas são lidas em Portugal por muitos amigos meus, designadamente por malta de Moçambique, em particular por amigos de Nampula, Beira, António Enes, e outras saudosas paragens, desde já me disponho a ceder os contactos do Muradali Jivan a quem objectivamente mos peça. Disponham.

Sandra Sorgentini e Neville Ritchie

Quando era miúdo e vivia em Lourenço Marques (vivi lá até aos meus 18 anos), perto de minha casa havia um formidável Hotel que fazia concorrência ao famosíssimo Polana Hotel, ainda hoje considerado o melhor hotel do continente africano e um dos melhores do mundo. Actualmente o Polana faz parte de uma cadeia de hotéis pertença do chefe ideológico e religioso dos Ismaelitas, um filantropo extraordinário e que já esteve por diversas vezes em Portugal – Aga Khan.

Ora, esse tal hotel, apesar de ser de menor grandeza do que o Polana, fazia-lhe uma certa concorrência. Era o Hotel Cardoso, cujo dono era um tal Senhor Sorgentini, de nome iataliano e que tinha duas filhas, teenagers, bonitas, apetitosas... Uma era a Jenny, a outra a Sandra. Claro que todos queriamos namorar com uma ou com outra... O costume nas pequenas terras...

Os anos passaram e com a guerra, os Beatles, a Universidade na Metrópole, o 25 de Abril, o diabo-a-sete, aconteceu a diáspora dos Moçambicanos e perdemos o rumo e os contactos uns dos outros, acabando por nos afastar irremediavelmente... para sempre! A menos que... um milagre aconteça! Aconteceu!!!

Ainda em Portugal, a dois, ou três dias de embarcar para Sydney, fui jantar a casa de dois grandes amigos de Lourenço Marques – a Marina Conceição e o José Luis Botelho de Sousa, que vivem na Parede, perto de Paço D’Arcos. Ela, é simplesmente a minha amiga mais antiga e uma das minhas melhores amigas de sempre, com quem brincava aos 7, 8,  9, até aos 12 anos de idade, íamos juntos para as aulas, voltávamos juntos, numa altura em que nem sequer se pensava em namoros, a inocência era total, a intimidade fraternal, a confiança infinita, a bondade indiscutível. Tinhamos os mesmos gostos, as mesmas aflições, da entrega dos pontos, das chamadas, das notas! Tinhamos como refúgio umas “instalações” que arranjámos nos ramos de uma árvore do quintal da casa da Marina. Nas festas de anos a que íamos juntos, gostávamos dos Beatles, da Françoise Hardy, do Adamo, do Gene Rockwell... Valemo-nos um ao outro! (Cabe aqui um parêntesis para homenagear a sua mãe, a minha querida Dona Elvira, uma alma cheia de ternura e bondade). A Marina era obviamente excelente aluna, eu nem por isso! Hoje somos amicíssimos e adoramo-nos! Os nossos pais eram amigos e vizinhos. A Marina tinha um irmão, o João Paulo, na altura com 3 ou 4 anitos a quem não ligávamos pêva! Hoje é um notável causídico e (imagine-se) AVÔ!!! O Zé Luis era filho de um homem a quem o turismo de Moçambique ainda hoje deve muito, deve o que hoje é: Botelho de Sousa. Hoje Moçambique é talvez a maior potência turística da Costa leste de África. O Zé Luis é mais velho que eu e, claro está... nessas idades, quatro, ou cinco anos fazem uma enorme diferença! Só convivemos já em Portugal e só desde então somos bons amigos. Daí o tal jantar de despedida, antes da minha viagem para terras do fim-do-mundo!

Nesse jantar a Marina fala-me da sua maior amiga – agora a viver na Austrália, casada com um advogado sul-africano – Sandra Sorgentini! O quê?A Sandra? Tu não me digas! Eu pensava que ela estava no Brasil! Não, ela foi para a Africa do Sul e depois.......

Ok! Toda a Diáspora tem a alegria dos possíveis reencontros. Fiquei com as coordenadas da Sandra, agora casada com Neville Ritchie, que chegou a tentar viver em Lisboa, depois em Londres, de novo em Joanesburg e agora, perto de Sydney, em Port Stephens, uma das praias mais elegantes do estado de New South Wales (cuja capital é Sydney), onde, por coincidência, a Bianca costumava passar férias com os filhos, quando estes eram irrequietos teenagers!

O mundo é grande, mas o amor ajuda a encurtar as lonjuras!

Já cá estou há um mês, porém só agora vai ser possível estar com a Sandra e conhecer o Neville, que é o maior empresário australiano de uma substância conhecida por coque – um derivado do carvão e fundamental na produção e têmpera do aço.

Depois conto tudo! Mas vai ser divertido e estou a preparar-me para levar o laptop com imagens de Moçambique – actuais e (evidentemente...) do nosso tempo! Ah e a Manuela Bravo a cantar o Kanimambo do João Maria Tudella (falecido em 2011, em Lisboa).

Nostalgia, nostalgia!

Este vosso amigo de sempre Luis Arriaga,
Sydney, aos 6 de Setembro de 2012.


       


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